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Para lembrar a data, publico texto do jornalista Osair Vasconcelos proferido hoje (06), na Assembleia Legislativa Estadual

Inicialmente, quero agradecer ao deputado Galeno Torquato, que por alguns instantes deixou de apreciar a Serra de São José – cuja beleza abençoa a sua região -, de conviver com os seus conterrâneos miguelenses, e dirigir a sua generosidade para me incluir entre os ilustres homenageados de hoje. Muito obrigado, deputado.

Em nome dele agradeço, como representante dos homenageados, aos deputados que fizeram todas essas justas e merecidas indicações.
Quero agradecer muito também a esses amigos e colegas de jornalismo pela deferência de me indicarem para falar em nome de vocês. Não é tarefa fácil, diante da algaravia de vozes e pensamentos que somos todos. Faz parte da nossa índole, como categoria profissional, o questionamento ao que o outro diz. 

É parte do nosso mister diário atentar cuidadosamente ao que ouvimos para questionar o falante onde ele menos espera. É nossa obrigação profissional ser atento e perscrutador. Vigilante e crítico. E, muito especialmente, honesto e fiel ao escrever aquilo que ouvimos. E assim sendo, se eu não reproduzir aqui da melhor forma e fidelidade o que vivi e aprendi nos dois terços de vida que ainda passo em redações, não desculpem o editor. Antes, abram uma nova pauta, copidesquem esta reportagem, interpretem o tema com as suas convicções e escrevam o editorial que criará problemas ao dono do jornal. Pois assim deve ser o jornalista: insurrecto e rebelde. Questionador por convicção. Crítico, inclusive a quem, circunstancialmente como agora, fala em seu nome.

Agora, um lamento. Quem dera pudéssemos nós, os homenageados de hoje, ter aqui, neste lugar que ocupo, o maior de todos: Luís da Câmara Cascudo. Que honra e glória representa para todos nós fazer parte de uma homenagem em cujo rol está esse nome.
Estivesse ele aqui, e eu me sentaria ali, lá no fundo desse plenário, ou nessa galeria em que tantas vezes me sentei como repórter, e ouviria o mestre da cultura popular dizer as verdades tiradas dos seus rios profundos. Como da última vez em que o entrevistei, para o Estadão, e que talvez tenha sido também a última entrevista que ele concedeu. Perguntei qual era o sentido da vida, e enquanto eu olhava as muitas medalhas, condecorações e diplomas que disputavam as paredes com os livros do seu velho escritório, ele respondeu:

- O segredo da vida está no entendimento. Se você não entende a vida, torna-se um desajustado.

O velho mestre Cascudo...! Como seria valioso que ele estivesse aqui, nesse momento complicado porque passa a sociedade brasileira. Talvez ele, com os seus conhecimentos sobre cultura e civilização, esclarecesse de onde sai tanta intolerância, tanto radicalismo, tanta raiva, até ódio, dirigido ao outro quando esse outro pensa ou é diferente, desigual. Diferente ou desigual porque é negro, ou pobre, ou tem distinta orientação sexual. Odiado porque pensa para o lado contrário ao do odiento. Discriminado porque não nasceu igual aos que se acham mais iguais do que todos. Feridos e mortos porque a sua luta, em favor dos seus, mesmo pacífica, fere os que pregam a violência como sustentáculo da sociedade. Seres humanos feridos ou mortos porque – pasmem! – são mulheres, e como tais agem, e por isso são mortas.
Cabe a nós, jornalistas, agentes sociais de transmissão não apenas de notícias, mas de pensamento e ideias, a tarefa muitas vezes acima das nossas forças, mas irrecorrível, de combater o radicalismo e a intolerância. E, ainda mais, de lutar para impedir que o radicalismo e a intolerância se transformem em imposição sobre a sociedade. Devemos estar atentos, como atentou Milton nos seus versos em Paraíso Perdido:

Injusto dizes,
E injusto é, atar com leis os livres
E deixar reinar sobre iguais o igual,
Sobre os demais um rei sem sucessão

Volto a Cascudo, o jornalista, e à sua percepção sobre o ofício mais anímico da nossa profissão, o de repórter. Eis como ele nos definiu:
O repórter tem duas grandes vantagens (...): o contato humano e a consciência dos níveis de percepção coletiva.

Se isso nos cabe como elogioso registro de identidade, nos cabe igualmente como registro do nosso dever. Valorizar o contato humano e buscar alcançar da forma a mais real possível a consciência dos níveis de percepção coletiva.

Digo isso porque, próximo que somos aos grupos de poder, e àqueles que tentam fazer do grito a arma de convencimento, quando não de supremacia, muitas vezes nos deixamos levar por quem se pretende representante das verdades absolutas. E contra as verdades absolutas dos que se querem reis sem sucessão está o nosso papel de ouvir e de buscar a consciência coletiva. E - me permitam a licença de falar de uma convicção pessoal enquanto falo em nome de todos os homenageados -, sou convicto de que a nossa sociedade, essa sociedade de tipos e formação tão diversos como Cascudo mostrou, não quer radicalismo, não quer o ódio, não quer a intolerância, não quer a eliminação dos desiguais e dos diferentes de qualquer espécie. Máquinas são iguais, mas não somos máquinas, como disse Chaplin. Humanos é que somos, e como tais, diferentes, e que a diversidade que portamos jamais nos aparente desiguais.

Eis por onde, no meu entendimento, devemos nós, como jornalistas e cidadãos, nos conduzir. Não há salvação se nos desligamos do conjunto da sociedade, se a dividimos entre pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres, pretensos detentores da razão e os que pensam diferente. Iguais sejamos pela aceitação da diversidade e nunca deixemos atar os livres com leis que privilegiam os que se sentem mais iguais de que todos.

Para isso, sei muito bem, os jornalistas mais veteranos que aqui estão sendo homenageados lutamos. E se os mais novos permitem, aqui trago essas sugestões de luta.

Aos deputados desta Assembleia, me desculpo pelo tom de oratória. Será, talvez, a chance aproveitada nesta casa pelo repórter que tantas vezes sentou ali no espaço destinado à imprensa e ouviu com respeito, e agora saudade, tribunos como Roberto Furtado, Willy Saldanha, Márcio Marinho, Garibaldi Alves, Assis Amorim, Dalton Cunha, Hermano Paiva, Paulo de Tarso e tantos outros. 

Eram tempos difíceis, esses que agora evoco, e as vozes desses nomes que citei representavam pensamentos diferentes, antagônicos. Mas, aqui, na Assembleia, o confronto das ideias e posições, mesmo sob tempo ditatorial, era o de parlamento e de parlamentar. De discussão e de posicionamento. Às vezes se atingia o consenso. Noutras, não. Mas a diversidade de posições engrandeceu o discurso de todos eles e é o que testemunho agora. O conjunto das diferenças e a busca do comum a todos foi o que ficou como inapagável contribuição deles a esta Casa. Sei que os senhores e senhoras, como continuadores desse feito, conhecem o valor que tem, para o parlamentar, a diversidade das ideias e a construção do bem comum.

Para isso, e por isso, estamos todos nós aqui.Muito obrigado pela atenção.

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